
A 24 de maio de 1940 sobrevive a um ataque à sua casa por assassinos alegadamente a mando de Stalin. Não sobreviverá, no entanto, ao segundo ataque de Stalin: a 20 de Agosto de 1940, o agente Ramón Mercader consegue sob disfarce entrar pacificamente na sua sala para um encontro, e, aproveitando um momento de distração, aplica com uma picareta um golpe fatal no seu crânio. Ao ouvir o ruído, os guarda-costas de Trótski precipitam-se para a sala e quase matam Mercader, mas Trótski detém-nos, exclamando "Não o matem! Esse homem tem uma história para contar!". Faleceu no dia seguinte.
Clique no leia mais para ler os textos que seguem neste artigo e que foram extraídos do livro Moral e Revolução de Leon Trotsky escrito em 1936 disponível no site: http://www.marxists.org/
O "Senso Comum"
A democracia e a moral "geralmente aceita" não são únicas vítimas do imperialismo. O "bom senso inato em todos os homens" é a terceira vitima. Esta forma inferior do intelecto, sempre necessária, é também, em certas condições, suficiente. O principal capital do bom senso é constituído por considerações elementares obtidas da experiência geral: fique longe do fogo... prefira a estrada principal... não cutuque o cachorro que dorme... etc. etc. Num ambiente social estável, o bom senso é mais do que suficiente para comerciar, curar os doentes, escrever artigos, dirigir um sindicato, votar no parlamento, fundar uma família, crescer e multiplicar-se. Mas, mal ele tenta escapar de seus limites naturais e invadir o campo das generalizações mais complexas, ei-lo que não é mais do que um conglomerado dos preconceitos de determinadas classes, em determinado período. A simples crise do capitalismo o desconcerta; diante de catástrofes como as revoluções, as contra-revoluções e as guerras, o bom senso demonstra sua completa imbecilidade. Para compreender as convulsões "catastróficas" do curso "normal" das coisas, são necessárias qualidades intelectuais mais elevadas, cuja expressão filosófica, até hoje, só o materialismo dialético garantiu.
Max Eastman, que se esforça com sucesso para dar ao "senso comum" a aparência literária mais sedutora, fez da luta contra a dialética uma espécie de profissão. Eastman leva a sério as banalidades conservadoras do "senso comum", e adicionando-lhes seu estilo elegante dá-lhes rótulo de "ciência da revolução". Vindo em auxílio dos esnobes reacionários do Common Sense, Eastman ensina, com inimitável segurança, que, se Trotsky, em vez de inspirar-se na doutrina marxista, tivesse se inspirado no senso comum, não... teria perdido o poder. A dialética interna que até hoje se manifestou no suceder-se das fases de todas as revoluções, não existe para Eastman. Em seu juízo, a reação sucede a revolução porque não se respeita bastante o bom senso. Eastman não compreende que Stalin, no plano histórico, caiu vítima do "senso comum", isto é, das insuficiências do bom senso, porque o poder de que dispõe serve a fins hostis ao bolchevismo. Pelo contrário, a doutrina marxista permitiu-nos romper em tempo com a burocracia de marca termidoriana e continuarmos a servir o socialismo internacional.
Qualquer ciência - e isto vale também para a "ciência da revolução" - deve passar pelo aval da experiência. Eastman, que sabe tão bem como se conserva o poder revolucionário no momento em que a contra-revolução leva a melhor em o mundo, saberá também - é de se esperar - como se conquista o poder. Esperemos então que consinta em revelar-nos seus segredos. E seria ainda melhor se o fizesse sob a forma de projeto de programa de um partido revolucionário, assim intitulado: "Como conquistar e conservar o poder". Alias temo que seja precisamente o bom senso que impeça Eastman de lançar-se em tão temerária empresa. E, desta vez, o bom senso terá toda a razão.
A doutrina marxista que Eastman - infelizmente - nunca entendeu, permitiu-nos prever o termidor soviético, inelutável em certas condições históricas, com todo o seu cortejo de crimes. O marxismo previra com muita antecipação o inevitável desabar da democracia burguesa e de moral. Pelo contrário, os doutrinários do "bom senso" deixaram-se colher de surpresa pelo fascismo e pelo stalinismo. O bom senso funciona à base de grandezas invariáveis num mundo onde a única coisa invariável é a própria variabilidade. A dialética, pelo contrário, estuda os fenômenos, as instituições e as normas em sua formação, seu desenvolvimento e seu declínio. A atitude da dialética em relação à moral, produto subsidiário e transitório da luta de classes, parece "imoral" aos olhos do senso comum. Todavia, não há nada de mais obtuso, de mais limitado, de mais dotado de cinismo e presunção do que a moral do bom senso!
Sobre os "Preceitos Morais Universalmente Válidos"
Quem não quiser voltar a Moisés, Cristo ou Maomé, nem satisfazer-se com um ecletismo arlequinesco, deve reconhecer que a moral é um produto do desenvolvimento social; que ela não tem nada de imutável; que serve aos interesses da sociedade; que esses interesses são contraditórios; que, mais que qualquer outra forma ideológica, a moral tem um caráter de classes.
Não existem, então, preceitos morais elementares elaborados pelo desenvolvimento da humanidade e indispensáveis à vida de qualquer coletividade? Existem, sem dúvida, mas sua eficácia é muito incerta e limitada. As normas "obrigatórias para todos" são tanto menos eficazes quanto mais áspera se torna a luta de classes. A guerra civil, forma culminante da luta de classes, suprime violentamente todos os laços morais entre as classes adversas.
Posto em condições "normais", o homem "normal" observa o mandamento: "não matarás". Mas, se mata em condições de legítima defesa, o tribunal o absolve. Se, pelo contrário, cai vítima de uma agressão, seu assassino será condenado à morte. A necessidade de tribunais, bem como da legítima defesa, deriva do antagonismo dos interesses. No que se refere ao Estado, em tempos de paz ele se limita a legalizar a execução de simples indivíduos, para, em tempos de guerra, transformar o "não matarás" em mandamento diametralmente oposto. Os governos mais "humanos", que em tempo de paz "detestam" a guerra, em tempo de guerra fazem do extermínio do maior numero de homens o primeiro dever de seus soldados.
As normas da moral "geralmente reconhecida" conservam no fundo um caráter algébrico, isto é, indeterminado. Elas exprimem apenas o fato de que o homem, em seu comportamento individual, está ligado a certos normas gerais, já que pertence à sociedade. O "imperativo categórico" de Kant é a alta generalização dessas normas. Mas, não obstante a posição eminente que este imperativo ocupa no Olimpo filosófico, ele não tem nada, absolutamente nada, de categórico, porque não implica nada de concreto. É uma forma sem conteúdo.
A causa dessas normas universalmente válidas serem vazias é que, em todas as circunstâncias importantes, os homens têm um senso muito mais imediato e profundo de seu pertencer a uma classe do que de seu pertencer à "sociedade". As normas morais "obrigatórias para todos" adquirem, dentro da realidade, um conteúdo de classe, isto é, um conteúdo antagonístico. A norma moral é tanto mais categórica quanto menos é "obrigatória para todos". A solidariedade dos operários, especialmente nas greves ou por detrás das barricadas, é infinitamente mais "categórica" que a solidariedade humana em geral.
A burguesia - cuja consciência de classe é muito superior, pela sua coesão e intransigência, à do proletariado - tem interesse vital em impor sua moral às classes oprimidas. Por isso mesmo, as normas concretas do catecismo burguês são mascaradas com a ajuda de abstrações morais postas sob a égide da religião, da filosofia, ou daquela coisa híbrida que se chama "bom senso". A invocação das normas abstratas não é um erro desinteressado da filosofia, mas um elemento necessário ao mecanismo da luta de classes. Fazer ressaltar essa tramóia, cuja tradição tem milênios, é o primeiro dever do revolucionário proletário.
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