Quando a palavra greve começa a circular nas escolas temos a certeza de divergências de idéias, pois sempre verificamos que há os prós e contras e é quase certo que nunca haverá unanimidade sobre este assunto.
Contudo em relação a greve de 2010 percebemos algo de diferente, especial, elementos que mesmo os mais experientes militantes há muito tempo não viam, não sentiam, em resumo, não vivenciavam e é sobre isso que trataremos neste pequeno balanço sobre o movimento grevista.
Tudo começou em 16 de março quando o Sind-UTE convocou assembléia estadual e manifestação na tão contestada Cidade Administrativa onde a categoria votou pelo indicativo de greve, iniciando então um grande trabalho de mobilização por todo estado que culminou na deflagração da greve no dia 8 de abril.
A partir desta data algo diferente das demais greves aconteceu, pela primeira vez em muitos anos a categoria conseguiu se reencontrar consigo mesma, com adesão de 70 a 80% dos trabalhadores em educação; professores, secretários, auxiliares de serviços, especialistas, funcionários das SRE’s saíram das mais distantes regiões do estado, somaram forças com os colegas da capital para defenderem e lutar por seus direitos, com isso um exército de aproximadamente 15 mil profissionais da educação pública construiu propostas salariais nas assembléias estaduais, protestou em passeatas pelo centro da capital mineira, parou rodovias por todo o estado para panfletagem e conscientização, no interior, foram feitos atos nas SRE’s para mostrar o descaso do governo, além de campanhas de doação de sangue com o lema “se o governo suga a educação os(as) educadores(as) doam sangue e vida”.
Do outro lado do processo da greve um ator merece nosso destaque, o governo de Minas, lembremos então alguns fatos importantes sobre este. Entre 2003 e 2010 dois governadores Aécio Neves e Antonio Anastasia se alternaram no poder, sobre seu comando houve a implementação de um sistema administrativo onde termos como “déficit zero”, “choque de gestão” e “enxugamento da máquina pública” tornaram-se constantes no cenário político mineiro.
Para os servidores da educação o “choque de gestão” significou a criação da chamada Avaliação de Desempenho (com finalidade de estabelecer a meritocracia e a possibilidade de demissão), extinção dos direitos de biênios e qüinqüênios para quem ingressou no estado depois de julho de 2003, o corte de biênios e qüinqüênios para os designados quando ficavam mais de 300 dias sem contrato, o cancelamento do direito de gozo das férias-prêmio, o corte de benefícios dos servidores quando em licença saúde, o não pagamento do rateio de férias aos designados, a não realização permanente de concursos públicos, a criação da Lei Complementar 100, que efetivou 98 mil servidores para ocultar a ingerência do estado de Minas que devia R$ 10 bilhões para o INSS, a péssima política salarial que tinha como pisos iniciais de R$ 305,00 para professores, R$ 303,00 para os auxiliares de secretaria e R$ 300,00 para os auxiliares de serviços gerais em 2003 e em 2010 os pisos aumentaram para o “fantástico” valor de R$ 336,00 para professores, R$ 334,00 para os auxiliares de secretaria e 330,75 para os auxiliares de serviços gerais.
Porém o aspecto mais nefasto do “choque de gestão” foi a verticalização administrativa, ou seja, “faça o que eu mando e não haverá problemas para ninguém”, o que na prática significou que o governo passou a determinar para a sociedade o que era bom para ela sem consultá-la. Projetos elaborados dentro de gabinetes baseados na frieza dos números em planilhas eram distribuídos para serem executados sem questionamentos, era a política do “de cima para baixo”, que no caso em questão, a Secretaria de Educação determina o que é para ser feito, as SRE’S repassam para os diretores e os professores executam independentemente do projeto fazer jus ou não a realidade escolar local.
Esse processo gerou a chamada “méritoditadura” onde bons profissionais são aqueles que executam as ordens “direitinho” e maus são aqueles que refletem sobre a finalidade das mesmas e as questionam, os primeiros são bem avaliados pelo estado pois cumprem as metas estabelecidas pelo governo, os segundos sofrem as devidas retaliações. Como diria o Governador Anastasia durante o período de greve em entrevista “os bons profissionais estão dentro das escolas”.
O melhor de tudo do “choque de gestão” foi a criação em Minas da “escola feliz”. Com orçamento de R$ 50 milhões para propaganda, o governo tornou-se o maior anunciante do estado e passou a controlar a grande mídia com mão de ferro, estilo “faça matérias contra o governo e eu corto as verbas de publicidade”. Com essa sistemática Minas passou a ser o “primeiro” estado a ter crianças de 6 anos na escola, o “primeiro” a pagar o piso salarial nacional, a ter toda criança com 8 anos lendo e escrevendo enfim com a ajuda de atores globais como garotos propaganda, gente do nível de uma Fernanda Montenegro, Débora Falabela e Daniel de Oliveira, Minas passou a ter como slogan “A melhor Educação do Brasil”.
Sobre este cenário perguntamos, qual o legado da greve dos educadores em 2010, o que a tornou especial e diferente das demais?
Talvez a resposta as perguntas esteja no fator que a greve de 2010 teve como principal pilar, mais do que a luta por salários justos, a luta pela verdade e a recuperação dos valores democráticos.
Para um estado como Minas Gerais que tem sua história recheada de mártires que deram a própria vida pela verdade e pela liberdade, a atuação do governo especialmente durante o período da greve foi vergonhosa. A falta de compromisso com a educação e com nossa constituição foi exposta visceralmente. Foi impressionante observar a atitude de muitos políticos, que responsáveis pela elaboração das leis, sendo os primeiros a descumpri-las. Deixemos isso mais claro, em outubro de 2008 o governo assinou um termo se comprometendo a implementar no estado a partir de 2010 piso salarial nacional, chegamos a janeiro de 2010 e nada de piso. Em 25/05/2010 como acordo para o fim da greve se comprometeu a criar uma comissão com representantes do sindicato e do próprio governo para elaborar o documento que nortearia o projeto a ser enviado para a ALMG referente a questão salarial, o que o governo fez então, faltando um dia para os términos dos trabalhos descumpriu o que tinha assinado fazendo todos de bobo e enviou seu próprio projeto sem o aval dos representantes do sindicato. A pior atitude, porém foi em referência a constituição que diz claramente sobre o direito de greve dos servidores públicos, e o que o governo fez então, ajuizou uma ação alegando a ilegalidade da greve e conseguiu uma liminar de um desembargador que deixou a própria classe de juristas indignada pela velocidade e argumentos “bem contestáveis” da sentença, o que resultou na multa de R$ 10000,00 por dia de greve (dinheiro proveniente da categoria, o que é interessante, pois além de não pagar o que é devido, o governo ainda tira o que pode dos trabalhadores).
Contudo nesse quadro caótico, seguramente os trabalhadores que aderiram a greve de 2010 fizeram história. Depois de 8 anos de mentiras como as já citadas, com toda pressão e ameaças exercida pelo poder da máquina pública (executivo, bancada governista no legislativo, judiciário com suas sentenças “questionáveis” e as matérias compradas com dinheiro público na imprensa) a categoria uniu forças e juntos, independente das designações criadas pelo governo para enfraquecer o movimento (concursados, efetivados, contratados, quadro de magistério, quadro administrativo, etc..), manteve-se firme e heroicamente ao longo de 48 dias lutou pelos seus direitos, pela recuperação de sua dignidade e a valorização de seu trabalho.
Para os trabalhadores em educação, a greve de 2010 trouxe a recuperação do sentimento de categoria, de não estar sozinho, de não ser uma ilha na busca pela valorização profissional, quando se luta só qualquer um se torna um alvo fácil para o adversário, mas quando milhares de companheiros vindos de todas as regiões de nosso estado se unem, estes tornam-se imbatíveis pois, mesmo o governo com toda sua intransigência, não é capaz de calar as milhares de vozes ecoando pelos quatro cantos de Minas. Independente da leitura que cada um pode fazer sobre as conquistas que esta greve teve, é inegável que o maior legado foi ter conseguido quebrar 8 anos de política ditatorial, foi resgatar os princípios de participação, de construção de idéias por parte de todos os agentes sociais envolvidos com o universo escolar.
Para finalizar façamos uma reflexão sobre um dos conceitos de Educação: do latim educare, educere, aquilo que vem de dentro, que se propicia o desenvolvimento das faculdades mentais, morais e intelectuais de outrem. Educar exige muito de quem se propõe a ensinar habilidades especificas, pois a escola enquanto instituição de ensino tem a missão de tornar humano aquele que ainda não o é; fazê-lo cidadão, pensante, crítico e transformado, proporcionando-lhe condições para formação do seu caráter próprio preparando-o para enfrentar os desafios da vida em sociedade.
Com esse espírito os trabalhadores lutaram, deram uma lição para seus alunos e para sociedade mineira, pois como na célebre frase “a palavra conduz, o exemplo arrasta”.
Lembremos que a vida continua, há muito a conquistar e ressaltemos sempre que somos muitos, o governo busca constantemente nos dividir para nos enfraquecer, mas agora mais do que nunca sabemos que lutando juntos e confiando em nossas forças, somos imbatíveis.
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